segunda-feira, 20 de julho de 2009

A ciência nasceu dos homens

Se a ciência busca a verdade, o mesmo não se pode dizer da arte. Como Luc Ferry explica lindamente em “Aprender a viver – filosofia para os novos tempos”, o artista é aquele que “inventa mundos novos sem necessidade de mostrar a legitimidade do que propõe, menos ainda de prová-la pela refutação de outras obras que precederam a sua”. Assim, não faz muito sentido falar que um Picasso, por exemplo, é mais “verdadeiro” que um Degas. Mas já faz algum sentido dizer que as ciências naturais de hoje são mais “verdadeiras” do que as do século 17, digamos, se você considerar que a ciência de hoje entende melhor como o corpo humano funciona, consegue prevenir um maior número de doenças, etc – avanços tecidos em meio a teorias, testes, refutações, provas.

Na filosofia – que não é considerada uma ciência, pelo menos para a maioria dos autores, penso eu –, pensadores como Nietzsche e Husserl questionaram essa necessidade de demonstração para se alcançar uma verdade – uma característica tão forte do conhecimento científico. Claro que também não falta a vertente dos filósofos que pensam na verdade por correspondência ao objeto, correspondência esta que pode ser demonstrada, provada, testada, medida, sistematizada, comparada, transformada em números, padrões, leis etc. Podemos encaixar aí vários filósofos da ciência, como Popper, para citar um dos mais importantes.

Pois bem. Uma questão interessante que se coloca, sobretudo em relação às chamadas “ciências humanas”, é: até que ponto essas ciências ganham em se separar abruptamente das artes? E até que ponto ganhamos ao encaixar o ser humano no conhecimento científico?

As ditas ciências humanas, como antropologia ou ciências sociais, são bem mais novas do que as ditas ciências naturais – podemos dizer que elas ganharam status de ciência a partir do século 19. Em termos de metodologia e pretensões, elas começaram seguindo um caminho parecido com o das ciências naturais: objetividade, leis universais, construção de um objeto de estudo verificável. Ao longo do (curto) tempo, com contribuições do estruturalismo, do marxismo e da fenomenologia, como explica Marilena Chauí em “Convite à filosofia”, as ciências humanas foram desenvolvendo uma metodologia diferenciada e leis próprias, sem perder o fato de serem “tratadas cientificamente”. Para a autora, ao menos de acordo com essa obra, os obstáculos epistemológicos das ciências humanas foram ultrapassados, ou seja, o humano é objeto sim de conhecimento científico. O pensamento da filósofa não é unânime, ainda mais em tempos de pós-modernidade, vale lembrar.

Voltando às perguntas sobre ganhar e perder: se o ser humano é estudado cientificamente, não só no que diz respeito ao seu organismo, mas ao que diz respeito à sua psique, à sua organização social, à sua organização econômica, à sua história, etc, e se esse estudo tem, como qualquer estudo científico, pretensão à verdade, ótimo. Mas, se é para que o ser humano seja objetificado a ponto de darmos muito mais valor ao que um cientista social diz do que um poeta, um escritor, um ator, um pintor, um músico e uma pessoa comum... não seria uma perda imensurável?

Como diz Rubem Alves em “A filosofia da ciência”, o cientista ganhou caráter de mito. E todo mito é perigoso, porque inibe o pensamento. Como se os cientistas pensassem melhor do que as outras pessoas.

Estudemos os homens cientificamente, sem dúvida, mas não reduzamos os homens à ciência.

Não nos esqueçamos de que o ser humano, antes de ser objeto científico, antes mesmo da criação do termo “ser humano”, já existia. E que a humanidade é muito mais ampla do que a ciência, até porque a ciência nasceu dos homens...

Um comentário:

  1. NOSSA AMEI O QUE VOCÊ ESCREVEU.

    NÃO SABIA QUE ERAS TÃO PROFUNDO ASSIM ^.^

    Hihhi

    Beijão da sua mais nova amiga virtual =P

    ResponderExcluir

Seus cometários estão sujeitos a não serem aceitos, de acordo com o que comentar. Logo, pense bem no que você vai escrever.