segunda-feira, 1 de junho de 2009

O lugar da arte no mundo

A arte pode ser considerada, sob vários aspectos, um mundo à parte – mas, ainda assim, uma pintura, uma escultura, uma música são criações humanas e existem no mundo. Uma obviedade, eu sei. Mas com vários desdobramentos. Porque, se a arte existe no mundo e se esse mesmo mundo é habitado por pessoas que se organizam em sociedades, as criações artísticas ganham rótulos, veiculam sentidos, são interpretadas por pessoas que vivem naquela cultura, são encaixadas em valores e significados instituídos socialmente.

E não são só os críticos ou teóricos que fazem isso. Quando admiramos uma pintura, não nos atemos apenas ao seu efeito estético – achamos bonita? Nos emocionamos? O que aquelas formas e cores despertam em nós? –, mas, mesmo sem querer, encaixamos aquela pintura no mundo. No nosso mundo individual. E no nosso mundo circundante, onde nossa esfera individual está inscrita: na nossa sociedade, nos nossos valores sociais.

Podemos discordar dos valores instituídos socialmente, é claro. Mas isso como indivíduos que vivem naquela sociedade, compartilhando aqueles valores simbólicos – ou seja, nos apropriamos individualmente dos valores simbólicos disponíveis para questioná-los, e não inventamos um sistema individual de valores simbólicos. Não pensamos como um azande que vive numa pequena tribo do início do século 20, por exemplo. Não fomos criados da mesma maneira que um chinês, um esquimó, um sueco.

Um universitário que vive em São Paulo, por exemplo, por mais que adore pagode, dificilmente vai discordar de que, digamos, o jazz é considerado um gênero de mais “prestígio”. E essa pessoa pode reafimar sua predileção por pagode, por mais que, ao mesmo tempo, ela possa afirmar que sabe que esse gênero é considerado “brega” pelos "outros".

Prestígio, brega. Palavras instituídas socialmente como, aliás, todas as palavras. Músicas são mais do que uma sucessão de sons: mostram essa ou aquela visão de mundo, assim como as obras de arte em geral, que são consideradas de bom ou de mau gosto, são interpretadas dessa ou daquela maneira, “(...) materializam uma forma de viver, e trazem um modelo específico de pensar para o mundo dos objetos, tornando-o visível.” (Geertz, O Saber Local. Petrópolis: Vozes, 2000).

Mas, se a arte está vinculada a padrões estabelecidos socialmente, podemos pensar em padrões universalmente válidos para a arte? Métrica, forma, simetria, harmonia de cores. A beleza depende apenas do que aquela sociedade entende como sendo o belo, ou há algo de necessário na beleza, algo de universal que possa ser compartilhado tanto pelos artistas do renascimento italiano quanto por uma pequena tribo do século 19 na África?

Pensando apenas na nossa própria cultura: que motivos fazem com que determinados gêneros musicais sejam dotados de mais prestígio? Que determinada literatura seja nobre e determinada literatura não? Que determinados artistas sejam bem-vistos e outros não? Motivos históricos? Comerciais? Puro preconceito? Ou há um prazer mais legítimo do que outro? Qual seria? Aquele prazer que nos faz pensar? Refletir? Ou não há como medir isso?

Intermináveis respostas, pontos-de-vista...