sábado, 14 de fevereiro de 2009

A eutanásia e os estranhos no ninho

A eutanásia é uma questão complexa e, como toda questão complexa, possui várias facetas a serem analisadas. O preço de se posicionar contra ou favoravelmente a ela de maneira precipitada, sem considerar a multiplicidade de abordagens e aspectos envolvidos, é obscurecer a questão mais do que esclarecê-la. Afinal, não há – ou, pelo menos, não acredito que haja – uma solução-chave que agrade aos governos, aos cidadãos, aos religiosos e, sobretudo, às consciências. Não há uma resposta certa escrita nas estrelas, clamando para ser encontrada; não existe uma cartilha moral atemporal para ser seguida em questões como essa. O que há – e isso não é pouco – são decisões a serem tomadas a respeito da legitimidade da eutanásia, de maneira a respeitar nosso tempo, nossa liberdade e nossas vidas.

Não penso que, nas decisões a respeito da prática da eutanásia, deva imperar apenas a razão (que é, sem dúvida, um dos melhores instrumentos de análise que temos, mas que, quando isolada, tem o poder de cegar nossos sentidos para as coisas mais óbvias...), ou sentimentos como “amor à vida” (que, isolado, torna-se irracional e pode atentar contra a própria vida amada). Numa questão tão delicada e, de novo, complexa, razão e sentimento unem-se ao procurar respostas que dizem respeito a nada menos do que a vida.

Podemos argumentar que, há cem anos, não era possível prolongar nossa existência com aparelhos, e que hoje é – e teríamos a obrigação de nos aproveitar dessa tecnologia. Também podemos argumentar que prolongamento da existência não é uma vida, mas uma pseudo-vida sofrida para os parentes e, poesia à parte, dispendiosa. Podemos argumentar que nem a família nem o Estado têm o poder de escolher o fim da vida do doente – que, quando em coma, também não pode escolher, e aí a proibição à eutanásia viraria uma não-escolha... Podemos nos amparar em dados a respeito de quantos pacientes saem do coma, mas então a eutanásia é isso, uma questão de estatística?

Também podemos argumentar que o Estado não deve intervir em questões privadas a ponto de impedir decisões familiares, a não ser quando é a própria família que pede socorro ou que põe a vida de seus membros em risco – como é o caso de violência doméstica em geral. Não é o caso de uma família que sofre ao ver um dos seus preso a uma cama e desacreditado pelos médicos.

Por mais imperfeita que seja essa solução, acredito que a decisão a respeito da prática da eutanásia cabe à família, e não ao governo. Imperfeita porque cada caso sempre será um caso, imperfeita porque não acredito que toda família está preparada para dar a essa questão a atenção que ela merece (mas quem está?) e imperfeita porque não silenciará a consciência das pessoas em geral, e muitas continuarão atrás de uma resposta certa das estrelas. Mas não há. Há, sim, o bom senso dessas famílias, há o amor que elas sentem pelo doente, há o sentimento de fazerem o melhor ao alcance delas, sem interferência de nenhum estranho no ninho.

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