domingo, 18 de janeiro de 2009

Inveja e admiração na vida em sociedade

Suponhamos que algo muito bom ocorra em sua vida. Você adora carros e, um dia, conseguiu comprar nada menos do que uma Ferrari. O que lhe traz mais felicidade: o carro em si ou o olhar dos outros, inflados de admiração e respeito? Ao contrário, imagine algo muito ruim. Digamos que você tenha perdido um cargo de respeito da noite para o dia. Você se sente mais triste por causa do emprego em si ou por causa dos olhares alheios, agora carregados de pena?

Na primeira situação, você é alvo de inveja. Na segunda, de piedade. E, meio esquecido entre os dois, paira o objeto que detonou a alegria ou a tristeza: o carro, o emprego.

Essa constante preocupação com o olhar do outro é um dos males da vida em sociedade, para Rousseau (1712-1778). No hipotético estado pré-civil descrito pelo filósofo, o ser humano não se importava em, digamos, "fazer bonito" - suas preocupações não iam muito além da alimentação, vida sexual e repouso. Na vida social, porém, somos bombardeados pelo julgamento alheio: o homem que vive em sociedade preocupa-se com as aparências, policia seus costumes, cultiva sua reputação.

A dor para aquele que vive em sociedade, assim, é duplamente dolorosa, e os objetos de prazer não são bem degustados, por se encontrarem envoltos em uma nuvem de interferências que os extrapola. O homem civilizado sente um "prazer sem felicidade", para citar um termo do autor em "Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens" (São Paulo: Abril Cultural, 1983). Aproveito para reproduzir, da mesma obra, o seguinte trecho, página 281:

"(...) homens que dão valor aos olhos do resto do mundo e se sentem satisfeitos consigo mesmos mais pelo testemunho de outrem do que pelo seu próprio. Tal, com efeito, a verdadeira causa dessas diferenças: o selvagem vive em si mesmo; o homem sociável, sempre fora de si, só sabe viver baseando-se na opinião dos demais e chega ao sentimento de sua própria existência quase que somente pelo julgamento destes".

P.S.: não quero dar a entender que o objetivo de Rousseau era que o homem permanecesse tranqüilo em seu estado de natureza, por toda a eternidade. Como o autor ressalta algumas vezes, o ser humano não é imutável - muito pelo contrário. Mas não era necessário que a sociedade tivesse se desenvolvido com tantos males...

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